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A RCV publicou o perfil do Zé Delgado em  09 Dezembro 2012.

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RETRATOS

Zé Delgado, o mensageiro

05 Janeiro 2013

Fala de crise financeira e espiritual, mas também de amor, fé, esperança e vontade de viver bem a vida: é Zé Delgado nesta entrevista em jeito de apresentação do seu quinto CD a solo, “Último Gota di Sol”. Mais do que boa música, o disco revela-nos um homem e um cantautor mais maduro e sensível do que aquele que, em 1996, lançou com a banda X-Treme o primeiro CD da sua carreira. Um mensageiro que, apesar de olhar com alguma desconfiança para a humanidade, ainda acredita num futuro risonho.

- Kriolidadi - Deste ao teu mais novo disco o título “Últimu Gota di Sol”. Porquê?

 Zé Delgado - Fui buscar o título a uma das músicas do CD. “Mi’N Kre vive ate últimu gota di sol ki ta toka-me”. Assim canto para lembrar às pessoas que tudo tem um fim. Portanto, que vivam a vida com intensidade.

- Queres viver intensamente? Sem perder nada?

 Sim, até a última gota de sol que me tocar. Espero também que este meu “Ultimu gota di sol” consiga bronzear a alma de todas as pessoas que ouvirem as músicas do CD.

- Achas que as pessoas não estão a aproveitar bem a vida hoje em dia?

 Esqueceram-se do real valor da vida.

- E qual é o real valor da vida?

 É viver com respeito e amor, lembrar que tudo tem um porquê, nada é por acaso. Hoje, quando caminho pelas ruas, vejo gente cabisbaixa, sempre triste e com pressa. A música “Arca de Noé”, que também faz parte do disco, fala disso mesmo: “Arca di Noé pa salvaçon de novo geraçon dess diluvio di iguísmo e hipocrisia”.

- Observas essa tristeza mesmo em Cabo Verde e entre os cabo-verdianos no mundo?

 Sim, em Cabo Verde isso também já acontece.

- Mas muitas pessoas dizem que os cabo-verdianos são sempre alegres e simpáticos. Não concordas?

 Os cabo-verdianos eram antes um povo alegre. Hoje quando vou a Cabo Verde, vejo rostos marcados por cicatrizes de tristeza.

- Porquê?

 O mundo inteiro está triste.

- O que falta?

 O homem perdeu o controlo da sua ambição. Os políticos, principalmente, esquecem-se que cada pessoa tem uma alma, que não é simplesmente um número. O meu desejo, ou o meu sonho, tal como canto neste CD, é que “Cabo Verdi ja flori na odju di mundo CV sta surri, na rosto di sis fidjus”.

- Além desta perda de alegria de viver, o que cantas em “Ultimo Gota di Sol”?

 Falo da crise espiritual, familiar e económica, da desigualdade entre África, a Europa e a América. Falo também do amor de uma forma poética, dos momentos em que um ser humano duvida e perde a fé, mesmo sendo um crente. Há momentos em que a realidade é tão dura que faz uma pessoa duvidar. São mensagens para nos ensinarem que mesmo nos momentos difíceis e de desconforto podemos aprender, crescer e tornar-nos mais fortes. Mas qualquer um pode viver momentos de dúvida. Afinal, nenhum ser humano é um produto completo, nem perfeito.

- Assinas todas as faixas deste novo CD, tanto as letras como a música?

 Sim. Como sempre, canto os meus sentimentos, o meu mundo. Não sou apenas intérprete. Sou um cantautor.

  Nunca cantaste músicas de outros autores? Porquê?

 Comecei a minha carreia na música como intérprete, mas depois descobri o meu caminho e hoje, nos meus discos, canto apenas as minhas músicas. Gravei uma música do Djoy Delgado, mas foi para uma compilação que ele produziu. Não gravo músicas de outros autores porque tenho muito para dizer, nem sei se nesta vida terei tempo para expressar tudo o que me vai no coração. Por isso, cada vez que gravo um disco, aproveito para deixar alguns recados. Acredito que cada artista é uma caneta astral. Quer dizer, a nossa missão é transmitir alguns recados. Além disso, cantar músicas de outros autores implica representar e eu sou mau actor. E habituei-me tanto a cantar só as minhas músicas que hoje não consigo cantar outros compositores.

- Através das letras das tuas músicas e das tuas palavras pressinto que o Zé é um homem de fé. Acreditas em Deus?

 Sim, acredito em Deus. Temos que ter fé. Caso contrário, nada faz sentido. Tudo é bem feito e está à nossa vista, só temos que tentar descodificar e entender o porquê de cada coisa. Nascemos para aprender e evoluir como seres humanos. É a única forma de conquistarmos mais espiritualidade e, consequentemente, o bem-estar que todos almejamos. Porque a crise que vivemos hoje não é apenas financeira, é também espiritual.

- Estaremos a perder valores como a solidariedade, o companheirismo?

 O ser humano vive cada vez mais só, isola-se num egoísmo e num individualismo totais que estão a separar as famílias. Já não há paciência, falta tolerância e tempo para ouvir o companheiro. Hoje mais do que nunca entendo a expressão “tempo é dinheiro”. Porque hoje tudo é convertido em dinheiro. Nos telejornais só se fala de economia, de crise. Esquecem-se de falar de alegria, de coisas boas que poderiam tornar as pessoas felizes.

  Mas tens fé e esperança de que tudo mudará para melhor?

 Tenho fé, mas não nos políticos. Estou desiludido com eles. Para mim, a política é um projecto falido e os políticos deveriam ter a coragem de admitir que já não funciona e ter vontade para rever todo o sistema. Ainda bem que o ser humano acredita sempre que as coisas podem melhorar. Se não fosse assim, o mundo era uma selva. Sem fé olharíamos para a humanidade com menos esperança.

- Quem se revela neste disco é então um Zé Delgado mais maduro, consciente e sensível.

 Sim, até na concepção da capa deste CD tive mais cuidado, escolhendo uma fotografia um pouco mais séria. Porque quero que as pessoas prestem atenção à minha música, não nas personagens que encarno. A uma determinada altura da minha carreira senti que estava a desviar-me deste meu objectivo, mas agora sinto que voltei a encontrar o meu caminho.

- Hoje olhas a vida de forma diferente de quando editou o seu primeiro disco?

 Hoje, depois de cinco discos a solo, após quatro com o meu grupo X-Treme e quatro filhos, sou uma pessoa mais completa e realizada, mais experiente na vida e na música. Aos 44 anos sou bem diferente do jovem de 28 anos que em 1996 editou o seu primeiro CD. Uma mudança que também canto neste meu novo disco: “Já Ka é tempo di sunhá, é tempo di realizá”.

- Ao olhares para a tua vida senteste satisfeito? Achas que até aqui fizeste uma boa carreira?

 Não sei se fiz uma boa carreira, mas fiz o possível para realizar alguma coisa de valor nesta arte que é a musica. Espero ter conseguido através da música transmitir alguma emoção a quem tem ouvido as minhas canções. Na verdade, mais do que uma emoção, pretendo passar alguma verdade ou ensinamento.

- Disseste há pouco que estás mais maduro espiritual e musicalmente. A nível musical isso traduz-se em quê?

 As pessoas podem descobrir isso na minha mensagem. Tento retratar o meu estado de espírito, que pode variar. Por vezes é de alegria, outras é de tristeza. O mais importante é ser sincero. Hoje (29 de Novembro), estou triste por causa do que aconteceu com o meu amigo Jorge Neto. Espero que melhore rápido e volte outra vez aos palcos.

- O que aconteceu com Jorge Neto faz o Zé pensar ainda mais no título que deste ao teu disco?

 Sim. Mas espero que o sol de Jorge Neto continue a brilhar por muitos e muitos anos ainda. O que lhe aconteceu agora é simplesmente uma nuvem que passou para trazer alguma mensagem, para mostrar-lhe como ele é querido pelo seu povo.

- Os teus fãs e especialistas da música dizem que a tua música é diferente da que é feita pela maioria dos músicos do chamado cabolove. Como classificas a tua música?

 Reservei o meu tempo e a minha vida à música. A minha música é a música de uma pessoa sensível e profunda que escreve sobre o que olha à sua volta e sente na sua alma, tentando valorizar o dom da palavra que nos últimos tempos está a perder a voz.

- As músicas hoje em dia têm muita melodia e pouca poesia nas letras, é isso que queres dizer?

 Sim. Vivemos hoje num mundo de imagem. A palavra perdeu peso e valor, a poesia está a desaparecer. Tudo agora é muito superficial.

- Mas sabes que hoje, quem não faz um videoclip que passe na TV quase não é conhecido…

 Sei, sim. Tenho feito muito poucos vídeos, e talvez por isso muita gente não me conheça. Mas para mim, o mais importante é que a mensagem chegue às pessoas. Por isso, nos meus discos anteriores brinquei muito com a imagem. Era como brincar “gatchada”. Escondia-me atrás das músicas para permitir que as minhas canções fossem protagonistas.

- Quem te inspira?

 Frank Mimita, Fernando Mendes, Jorge Humberto, Michael Jackson, Ildo lobo, Livity, Cabo Verde Show.

- Estamos na época de Natal. Que votos fazes para a humanidade e os cabo-verdianos em particular?

  Não deixem desaparecer o real valor do Natal, não permitam que seja uma festa comercial. Para todos canto “Um ta espera ki cada dia ki pinga desse tornera de vida ta ser um gota de mel pa td gente, um ta deseja humanidade intero um vida de melaço, pes vive tude dia como um dia de natal”.

Teresa Sofia Fortes

CaboVideoUSA

Ze Delgado interview

Revista Sempre Viva

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